Responsabilidade
na internet
Ao
contrário do que pensa muita gente, a internet não é mundo livre de regras
jurídicas, onde as pessoas possam fazer o que desejem, sem enfrentar as
consequências de seus atos.
Em
princípio, qualquer ato ilegal praticado por alguém na internet pode gerar
consequências jurídicas. É o que se chama de responsabilidade, ou
seja, as pessoas podem ser responsabilizadas por seus atos na chamada rede
mundial de computadores. De forma geral, a responsabilidade por atos na
internet é idêntica àquela causada por atos no mundo físico, isto é, no mundo
não virtual. Não há norma jurídica que dê isenção às pessoas para praticar atos
ilegais na internet.
A
responsabilidade por ato praticado na internet pode surgir em qualquer das
formas de utilização dela. Pode ocorrer em redes sociais, na troca de e-mails e
arquivos, na negociação de um contrato, na compra de bens em lojas virtuais (o
comércio eletrônico ou e-commerce), em blogs e em qualquer outro site ou forma de
interação eletrônica, inclusive por meio de telefones inteligentes (os smartphones), tablets etc.
Isso
não significa que as pessoas devam andar assustadas por usar a internet. O uso
normal da rede não gera responsabilidade alguma, por si só. Apenas atos ilícitos,
isto é, atos contrários às normas jurídicas, podem gerar a responsabilização de
alguém.
Um
mesmo ato ilícito pode gerar diferentes formas de responsabilidade, pois, no
Direito brasileiro, elas são relativamente autônomas entre si. Por exemplo,
alguém pode causar dano a outra pessoa (o que gera responsabilidade civil) sem
que isso seja crime (responsabilidade penal). As mais comuns são a
responsabilidade civil e a penal, as quais se explicam a seguir.
Responsabilidade
civil
A
responsabilidade civil surge quando alguém causa dano a
outra pessoa. Quando o dano atinge o patrimônio de alguém, é chamado de dano material.
Imagine, por exemplo, que alguém envie um arquivo malicioso (o chamado malware) a
outra pessoa e esse arquivo cause problemas no computador do destinatário, que
se verá obrigado a contratar alguém para resolvê-lo. O remetente do arquivo
poderá ser condenado a pagar os danos que causou à vítima.
Pode
surgir responsabilidade civil também quando alguém causar dano psicológico em
outra pessoa, o chamado dano
moral. Isso pode ocorrer, por exemplo,
quando alguém ofenda a honra de outra pessoa em rede social ou blog, em
mensagens, comentários, respostas ou por qualquer outra forma.
A
responsabilidade civil, portanto, nasce com a ocorrência de dano e
gera direito à indenização da vítima por parte do ofensor. Sua
consequência é de natureza estritamente econômica, patrimonial.
Nada
impede que um mesmo ato gere, ao mesmo tempo, dano material e dano moral.
Existe uma súmula do Superior Tribunal de Justiça, a súmula 37,
segundo a qual é possível receber indenização tanto por dano material quanto
por dano moral, mesmo que causados por um só ato. Se quiser saber mais sobre
súmulas e jurisprudência, consulte este
texto do blog.
Como
se mencionou acima, a responsabilidade civil é relativamente independente da
responsabilidade penal. Se alguém for ofendido na internet ou sofrer algum
outro dano, poderá optar por ajuizar apenas ação de indenização contra o autor
do fato. Para o juiz condenar alguém a pagar indenização, não é indispensável
que exista condenação criminal.
Caso
interessante de condenação por ofensas feitas na internet foi julgado pelo
Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Um consumidor contratou curso de
desenho gráfico, realizou-o, conseguiu aprovação, recebeu o certificado e, só
depois, procurou a empresa para pedir a devolução do pagamento. Como não teve
sucesso, registrou reclamação no Procon/DF e em um site de reclamações de
consumidores, com expressões agressivas e ofensivas. Por entender que o
consumidor exagerou e abusou do direito de reclamar, o tribunal condenou-o a
pagar indenização à empresa pelas ofensas contra esta, conforme notícia na página da corte.
Responsabilidade
penal: os crimes pela internet
A
responsabilidade penal surge quando alguém pratica ato definido em uma lei
como crime ou contravenção penal. Neste caso, além de possível indenização à
vítima, o autor poderá sujeitar-se às consequências próprias do Direito Penal:
penas privativas de liberdade, penas restritivas de direitos, multa e outros
efeitos da condenação criminal.
Embora
o Brasil e outros países ainda não tenham lei específica para crimes praticados
pela internet, as leis penais em geral costumam ser inteiramente aplicáveis aos
atos praticados pela internet. Não é a falta de lei específica para a internet
que impede as pessoas de responder por seus atos no chamado mundo virtual.
Se
alguém ofende a honra de outra pessoa e desse modo comete crime descrito nas
leis penais, pouco importa se faz isso na presença da vítima, por carta, pela
imprensa ou pela internet. Em todos os casos, poderá ser responsabilizada. As
leis de alguns países podem estabelecer diferenças conforme o meio pelo qual o
crime seja cometido, mas, normalmente, as penas são as mesmas. No caso do
Brasil, não há distinção para crimes praticados pela internet ou por outro
meio.
Os crimes contra a honra são provavelmente os mais frequentes na
internet. Com o uso crescente das redes sociais e alguma falta de maturidade ou
de serenidade no uso delas, frequentemente pessoas se excedem em seus comentários
e terminam por atingir a reputação alheia. Nesses casos, os autores da ofensa
estarão sujeitos tanto às consequências criminais (ou seja, ao cumprimento de
pena) quanto civis (o pagamento de indenização à vítima) de seu ato.
Se a
ofensa for a um cidadão comum, a lei brasileira estabelece que a ação penal
deve ser promovida pela vítima, por meio de advogado por ela contratado. É o
que se chama ação penal privada, a qual se inicia por petição denominada queixa.
Se a
ofensa for cometida contra servidor público por causa da função pública, a ação
penal é pública e deve ser ajuizada pelo Ministério Público,
por meio de petição denominada denúncia. Para que isso ocorra, porém, a vítima da ofensa
deve comunicar ao Ministério Público ou à polícia a intenção de que o ofensor
seja processado. Isso é o que se chama representação. Olhe aqui para entender mais sobre ação penal pública e privada.
Outros
crimes podem igualmente ser cometidos pela internet. Exemplo comum são os crimes contra o consumidor, previstos na Lei de Defesa do Consumidor, também
chamada de Código de Defesa do Consumidor (CDC, a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990).
Várias
são as possibilidades de crimes contra as relações de consumo praticados pela
internet. Estes são alguns exemplos:
§ falta de informação sobre a periculosidade de
produto na publicidade feita pela internet (artigo 63 da Lei 8.078/90, com pena
de detenção de seis meses a dois anos e multa);
§ publicidade falsa ou enganosa de produto (artigos
66 e 67 da Lei 8.078/90, com pena de detenção de três meses a um ano e multa);
§ falta de correção de informação errada sobre
consumidor em cadastro, banco de dados, fichas ou registros (artigo 73 da Lei
8.078/90, com pena de detenção de um a seis meses e multa).
No
caso de crime previsto na Lei 8.078/90, a ação penal é pública e cabe ao
Ministério Público.
Como
já explicado no texto sobre ação penal pública e privada, em todos os casos de
ação penal pública (que são a quase totalidade), cabe ao ofendido comunicar o
fato ao Ministério Público ou à polícia, para que haja a investigação
necessária. A investigação criminal, nessas situações, é sempre destinada ao
Ministério Público (e não ao juiz, como parte da imprensa e da polícia
divulgam, erradamente), para que o MP decida qual medida caberá. Para saber as
providências possíveis ao fim de uma investigação criminal, veja neste texto.
Outra
espécie de crime que pode ocorrer pela internet é o de ameaça,
previsto no artigo 147 do Código Penal. De acordo com esse artigo, o crime ocorre quando
alguém comunique a outra pessoa a intenção de lhe causar algum mal injusto e
grave. A ameaça pode ser feita por palavra, por escrito, por gesto ou por
qualquer outro meio.
A lei
exige que o mal anunciado na ameaça seja injusto. Isso quer dizer que, em
princípio, não constitui ameaça uma pessoa dizer que processará alguém, que irá
levá-lo à justiça, ao Ministério Público ou à polícia, que cobrará seus
direitos, que contratará advogado para tomar providências, e afirmações
semelhantes. Nesses casos, não há mal injusto na ameaça, mas apenas a
informação da pessoa de que exercerá os direitos que tem como cidadão.
Crime
que ocorre com alta e lamentável frequência na internet é o de pedofilia,
cometido quando adulto explora sexualmente criança ou adolescente ou quando
produz ou troca imagens sexuais de criança ou adolescente. Esses crimes podem
ser cometidos de variadas maneiras e estão definidos nos artigos 240 a 241-D do
Estatuto da Criança e do Adolescente (conhecido como ECA, a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990). Consistem, de forma simplificada, no seguinte:
§ art. 240: produzir, reproduzir, dirigir,
fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou
pornográfica, envolvendo criança ou adolescente – pena de reclusão, de quatro a
oito anos, e multa;
§ art. 240, § 1o [o símbolo “§” lê-se como “parágrafo”]:
comete o mesmo crime quem agencie, facilite, recrute, coaja ou de qualquer modo
intermedeie a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no
art. 240 ou quem com eles contracene;
§ art. 241: vender ou expor à venda fotografia, vídeo
ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente – pena de reclusão, de quatro a oito anos, e
multa;
§ art. 241-A: oferecer, trocar, disponibilizar,
transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por
sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente – pena de reclusão, de três a seis anos, e multa;
§ art. 241-A, § 1o: comete o mesmo crime do art. 241-A quem assegure
os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens ou
o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens;
§ art. 241-B: adquirir, possuir ou armazenar, por
qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena
de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente – pena de
reclusão, de um a quatro anos, e multa;
§ art. 241-C: simular a participação de criança ou
adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração,
montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de
representação visual – pena de reclusão, de um a três anos, e multa;
§ art. 241-C, parágrafo único: comete o mesmo crime
quem venda, exponha à venda, disponibilize, distribua, publique ou
divulgue por qualquer meio, adquira, possua ou armazene o
material;
§ art. 241-D: aliciar, assediar, instigar ou
constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, para com ela praticar
ato libidinoso – pena de reclusão, de um a três anos, e multa;
§ art. 241-D, parágrafo único: comete o mesmo crime
quem facilite ou induza o acesso à criança de material com cena de sexo
explícito ou pornográfica para com ela praticar ato libidinoso, ou pratique as
condutas do art. 241-D para induzir criança a se exibir de forma pornográfica
ou sexualmente explícita.
O
simples acesso a sites com conteúdo pornográfico, feito por pessoa adulta, não
é crime, salvo se se tratar de site com imagens de crianças e adolescentes ou
se o site promover outra espécie de crime (extorsão, ofensas à honra de
terceiro, violência etc.). Não é ilegal, portanto, que pessoa adulta assista a
vídeo ou consuma material pornográfico que envolva apenas sexo entre pessoas
adultas, com o consentimento legítimo destas.
O
problema da prova
Em
qualquer caso de ato ilícito que possa causar responsabilidade civil ou penal
para seu autor, a vítima sempre depara a necessidade de provar os fatos. Toda
ação judicial precisa de prova para gerar condenação.
No
caso de ato ilícito cometido pela internet, às vezes a prova é fácil, pois é
possível gravar o texto, imagem, vídeo ou som que represente o ato. Isso pode
ser feito diretamente pelo ofendido, por meio da gravação da imagem da tela do
computador (pelo comando Print
screen ou equivalente), pela gravação do
e‑mail, pela impressão em papel (hardcopy) ou em formato PDF dos arquivos ou por qualquer
outra forma.
A
gravação dos dados pode ser feita pela vítima ou por outra pessoa que tenha
conhecimento do fato, como, por exemplo, se o usuário de uma rede social vir
ofensa a pessoa que não tenha acesso àquela mesma rede social.
Se o
texto ou imagem ofensivo não estiver mais disponível no site ou programa onde
foi lançado, existem ainda pelo menos duas possibilidades: (a) o advogado da
vítima (ou o Ministério Público ou a polícia, conforme o caso) pode solicitar
ao responsável pelo site ou programa que lhe envie os arquivos gravados em seus
computadores; (b) a vítima pode indicar ao juiz pessoas que tenham tido
conhecimento do ato e possam depor como testemunhas.
De
toda forma, caberá ao advogado da vítima (ou ao Ministério Público ou à
polícia, de acordo com a situação) avaliar a melhor forma de obter as provas do
ato.
(Blog de Wellington Saraiva)
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